De mim suor frio escorre e um tremor toda me prende. Mais verde que erva estou - e bem morta, por bem pouco, pareço... Mas tudo é para ousar... fr. 31 V
sexta-feira, 16 de agosto de 2013
Dos 13 aos 16, existia um campinho de concentração
O trem para o holocausto era mensal.
Um carro, guiado por minha mãe, me conduzia todos os meses saindo de Bole Bole e trafegando pelos túneis Zazen, Agal, Sense ou pelo Alto da Mali.
Destino: HCB, mais conhecido como Hospital Central Bonieux.
Filha de administrador e farmacêutico, sou isso, quase uma adolescente saída do filme "Garota Interrompida".
Mas afinal, não era essa película mesma que meu pai usava de exemplo para fazer altas chacotas da mocinha aqui?
Só não entendia se ele me comparava à personagem da Wynoma ou da Angelina. Ambas perturbadas, veja e note, pare e pense; até hoje elas são assim. Rider e Jolie tornaram-se belas mulheres; problemáticas também. Abafemos o caso. Problemas, quem não os tem?
Falando neles, cá estou a lembrar dos meus dentes, dos meus quinze anos, das festas boas e cafonas, dos penetras sempre arrumadinhos; meninos engraçados e espertos; das danças, das valsas, das músicas, das modas daquela época, dos passinhos, dos meus 13 aos 16 anos.
De Boavista para Bole Bole. De menina boa aluna, good girl, para a garota rebelde, crazy girl.
Vixe, eu aprontava! Quando a gente ri do que lembra, é sinal de que o que passou foi bem aproveitado. E foi.
Meu dentista me fazia sentir que havia uma marcha para o campo de concentração. Ao anunciar a próxima paciente: PODE ENTRAR, ROBERTA!, já me mexia preocupada e levantava das cadeiras da sala de espera caminhando tensa até a sala de tortura.
Doutor Willem, era um tipo de alemão brutão. Bem claro de pele, com braços peludos, numa penugem escura..., devia ser torcedor de algum time de futebol alvinegro. Impossível que fosse Flamengo, Fluminense..., sem a menor possibilidade! Talvez tendo outras cores pudesse ser mais gentil, delicado, carinhoso.
Como ele maltratava minha arcadinha dentária, minha mandíbula, minhas gengivinhas, meu céu da boca.
Sabe que tenho um furo no céu e acho bem que foi a agulha da anestesia mal mirada saída da mão pesada dele?
Abro a boca em frente ao espelho, examino e fico com essa dúvida na cabeça.
Dr. Willem, você não era o "Meu malvado favorito"..., não mesmo!
Pois bem, o holocausto, os campos de concentração e Auschwitz existiram certamente em outros cenários, locações, épocas.
Judeus que me desculpem, mas vocês não foram os únicos torturados. Há vítimas por todas as partes.
Naquele laboratório de dentistas mascarados, nós éramos testados. Cobaias lado a lado. Cadeiras elétricas com instrumentos bucais.
Isso aos treze.
Aos catorze, expectativa... Festa de quinze anos, por exemplo: Não fiz. Não quis. Por causa do meu nariz ou da minha cicatriz? Não. Causa dos meus 'dentisss'.
Usava um aparelho tenebroso, fixo, metalizado, enlatado. Sorriso do homem de lata, de Monalata, cinza.
Iria estragar as fotos; ora séria, ora com dentes argenta. Menina má, de boca prateada, fosca.
Daí optei por nada.
E fui forçada a desinventar o nada.
Viajei pra Disney. Tudo pago por papai. Papai manda, filhinha desobedece.
Esqueci que transportava na boca aparelhos fixos, anéis, parachoques dentários.
Resultado de fotos e filmagens? Tétricos.
Só trouxe de bom daquela viagem lembranças de romances engraçados.
Os cacarecos não importam. Mickeys, CDs, tênis... se procurar ainda acho em algum baú velho.
Mas o que marca não são as coisas, são as memórias.
Eu e um paulistinha, 15 e 16 anos, beijos e amassos cinematográficos após um pequeno porre de copinhos plásticos de cerveja americana.
Cenário pitoresco: um deck dando pro mar, ou seria lagoa?
N'hotel Sheraton de Miami, já não sei se era água doce ou salgada que corria.
O que sei é que eu corria do médico da excursão e da guia. Tinham um caso e ninguém sabia. Mas faziam questão que todo mundo soubesse... Toda noite, antes de dormir, eles me expulsavam do quarto que eu dividia com ela, a Valeria. Sabe o que ela era? Argentina. E ele, el bigodon, o médico de araque, me diagnosticou com febre numa noite de verão qualquer. Atrapalhou o romance da menina febril com o paulistano infantil.
Enfim, o que aprendi dos 13 aos 16 é que a vida passa rápido demais se a gente seguir sempre ganhando, se esquivando, fugindo do "alemão".
É preciso saber a arte de perder; mesmo que pra isso deva-se ler ao menos uma vez algum poema que fale de perdas e danos, que mostre flores raras, que traga à tona 'uma turman' ou Elizabeth Bishop.
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