segunda-feira, 4 de fevereiro de 2019

Verão 90 ... Nossa história daria um filme

Duas adolescentes estavam combinando de sair para uma boate da moda dos anos noventa da Barra da Tijuca: Olimpizza. A Olimpizza ficava aonde era o antigo Bali Bar, no Itanhangá. O pai de uma delas se prontificou a levá-las e depois até buscá-las na boate. Uma das meninas, a filha do pai, estava mais empolgada que a outra. A outra estava neste dia meio de baixo astral e foi mais pela amiga animada. O pai da amiga animadinha era meio atrapalhado e no caminho, quase chegando ao lugar, se envolveu em uma batida, na verdade uma batida de leve. O carro da frente freou bruscamente fazendo com que o carro dele encostasse a sua dianteira sem amassar e logo atrás veio outro carro que bateu mais forte em sua traseira, aí sim, amassando-a e deixando o pára-choque e o cano de descarga pendurados. Prejuízo para o pai da menina animada. Logo, chegou a polícia para vistoriar o acontecido e pedir os documentos dos motoristas envolvidos no pequeno acidente. Constataram que o pai da mais animada não portava os documentos do carro e nem a identidade. Liberaram os outros veículos onde os donos apresentaram seus documentos. A menina que não estava tão animada se desesperou e queria ligar de qualquer maneira para o seu pai a fim de pegá-la e tirá-la dali, pois não agüentava mais aquela lengalenga dos policiais discutindo o que seria feito com o senhor sem documentos. Ela quis atravessar a passarela para ligar de um orelhão para o pai e pediu que a amiga a acompanhasse, mas foi em vão, porque o pai da menina mais animada botou as duas no carro dele para levá-las de volta pra casa e com os policias fazendo a escolta num opala camburão. O intuito dos policiais, a princípio, era pegar os documentos e fazer o registro de ocorrência que faltava realizar naquela noite que parecia entediante. Mas, a menina menos animada, sentada dentro do carro do pai da outra animada, do banco de trás, começou a espernear e dizer ao senhor que parasse o carro que ela queria saltar, pois na sua cabecinha, o carro estaria explodindo ou a ponto de uma explosão. Ela via fumaças e fogo quando olhava para trás e ouvia o barulho do cano de descarga se arrastando no asfalto da longa avenida. O pai da menina animada nem corria, estava calmo e dirigindo devagar, sendo seguido pelos policiais. A menina menos animada não se acalmou de jeito nenhum e o pai da mais animada deu a idéia de elas trocarem de carro e entrarem no camburão policial. O pai, então, fez sinal de que ia parar e disse aos policiais que elas seguiriam com eles. Ambas ao entrar, já estranharam aquele carro, que mais parecia uma prisão ambulante, pois o opala quatro portas dos policiais tinha uma divisão em grade que separava os dois passageiros da frente dos outros passageiros traseiros. A partir daí, seguiram elas, as meninas, no carro dos PM's e o pai da menina animada, sozinho, no seu Del Rey velhinho e dirigindo devagarzinho para não acabar de vez com o pára-choque e nem fazer cair o cano de descarga que andava solto depois da batida. No carro dos PM's, a coisa ia tomando outra dimensão. Eram eles, um grisalho e um moreno bigodudo. O grisalho, metido a esperto e a garotão, e o moreno bigodudo, sério e introspectivo. Quem dirigia era o grisalho fanfarrão. O moreno estava no carona, sempre quieto. O grisalho olhou pelo espelho retrovisor e gostou do que viu. Daí começou a jogar conversa fora com as meninas, focando sempre na mais animadinha, porque ela parecia ligada numa pilha, estava elétrica e falante. A outra, mais calada, não dava conversa, só observava e refletia. O grisalho resolveu jogar verde, perguntando se elas saíam para beber. A animada se empolgou e disse até pra onde elas estavam indo curtir a noite antes do pai dela bater o carro. Pronto, o PM grisalho descobriu a fórmula de puxar mais papo e ainda ficou no elogio, dizendo que elas eram meninas muito bonitas, perguntando se tinham namorado, se os pais as deixavam namorar e aquelas baboseiras de sempre, típica dos machistas. O grisalho era tão cínico, mas tão cínico, que ao reparar no carro do pai da animada, que andava a vinte ou a trinta quilômetros por hora, ligou a sirene do camburão e disparou pela avenida a mais de oitenta. O PM moreno bigodudo continuou imóvel. A menina mais animada continuou nem aí. A menina menos animada foi quem iniciou uma série de perguntas: Por que está correndo? Por que ligou a sirene? O que aconteceu que parou de seguir o carro do pai da minha amiga? E o PM grisalho ia respondendo. É a minha filha! Ela está com o namorado naquele carro ali na frente. Sei que é ela. Eu tenho que seguir! A menina menos animada continuou a perguntar. Mas em que carro sua filha está? O PM grisalho deu uma péssima resposta. Ali, naquele Passat branco. Nisso, a menina menos animada pensou rápido. E caramba, não havia nenhum Passat branco nem nenhum carro de cor branca tanto na frente quanto atrás ou dos lados da pista expressa. A menina rezou para que ele não seguisse reto com o carro, pois a reta era em direção ao Recreio dos Bandeirantes, que naquela época, não tinha nada, nem iluminação noturna, nem casas, só matagal. E por sorte, o PM seguiu assim que passou o Barrashopping em direção a Jacarepaguá, mas não teve tempo de se perder na estrada escura com seu cúmplice e as duas vítimas. Assim que ele virou, as luzes do supermercado Carrefour e de sua churrascaria Pampa iluminaram a menina menos animada e ela gritou. Pode parar o carro, por favor, que eu estou passando mal e acho que vou vomitar! Foi o PM moreno bigodudo quem arregou. Pára este carro, cara, não está vendo que ela vai vomitar aqui dentro e vai feder tudo? Só assim o grisalho parou. E no que parou, a menina menos animada abriu a porta do opalão dos PM's e correu, correu muito e foi gritando enquanto corria pelo nome da outra. Corra! Só aí a menina animada percebeu o que poderia estar acontecendo ou o que poderia chegar a acontecer. E correu. Mas o grisalho também saiu do carro para acompanhar a animada que corria logo atrás. A menos animada imaginou mil coisas em sua cabecinha de vento. Achava que seria morta ali, com um tiro pelas costas, mas melhor seria morrer assim do que estuprada e jogada num valão por aqueles dois porcos. E assim continuou correndo, até chegar esbaforida dentro da churrascaria e pedir por um telefone. Passava de meia noite e ainda jantavam ou fechavam a conta clientes que logicamente, ficaram assustados com todo aquele alvoroço. Quando a menina menos animada pegou o telefone, ligou direto para a casa dela e pediu ajuda. Finalmente conseguiu falar com o pai. Mas o PM grisalho não se deu por vencido. Ainda ficou tentando ridicularizar a menina na frente de todos da churrascaria. Dos garçons aos clientes e aos recepcionistas e caixas. Antes de chegar de braço dado na churrascaria com a outra menina animada, passou ordens ao PM moreno bigodudo que fosse até a casa do pai da animada e trouxesse-o para provar que era bonzinho. Tentou fazer um discurso de bom pai e zeloso pela segurança da filha que não convenceu ninguém, nem a ele mesmo. Voltou para o seu camburão junto do outro PM sem nada ter conseguido daquelas duas meninas. Os pais de ambas as levaram embora e a menina menos animada ainda teve que ouvir de sua mãe a seguinte frase: Antes tivesse morrido no carro do pai de sua amiga, um santo homem. Mesmo queimada, ia morrer feliz e no céu. Imagina ter que passar por tudo isso e ainda por cima nos tirar da cama a esta hora. E hoje, a gente pensa: Ah, maldito celular, se você já existisse...