Uma jornalista e roteirista lidando com papéis e apólices de seguros até que pode dar certo um dia, mas hoje? Hoje não.
Esta pessoa sou eu, vivendo entre o sim e o não, nas horas vagas, em momentos que tem se repetido há bem alguns meses, quase todas as tardes da semana.
São quatro e meia, o sol está forte lá fora e, dentro do escritório, ar ligado, Rio de Janeiro no outono, faz trinta e oito graus para quem anda na rua; acabo de atender a um telefonema, assunto: cancelamento de um seguro. Minutos antes atendi outra ligação de motivo inverso: renovação de seguro. Uns caem, outros levantam, uns desistem, outros querem; queda e ascensão. É disso que é feita a vida.
Quando, por poucos minutos, os telefones dão uma brecha e param de tocar, posso me dar ao luxo de me espreguiçar, de fechar e abrir os olhos lentamente e de até bocejar. Estou sozinha e só as persianas das janelas podem me ver.
Sou eu agora aqui, com cara de sono e pensando no dia de amanhã.
A ginástica de hoje cedo acabou comigo, me deu uma tremenda dor na coluna levantar todos aqueles pesos. Tive que tomar uma ducha com água bem quente nas costas antes de vir para o trabalho, água quente nos meus braços também; nossa, devo estar enferrujada, como dói minha coluna. Minhas pernas, nem tanto, o abdomen, um pouco, por isso, fugi da aula de spinning, a professora estranhou, mas se fiz duas, três aulas de manhã de ginástica, isso já é muito pra mim, não aguento. Ontem dei uma unhada de leve em uma de minhas pintas, tenho muitas nas costas, vai ver por isso estou com dor, a pinta é daquelas pretinhas sobressaltadas, de tão preocupadas e preocupantes, que você consegue mexer pra lá e pra cá com os dedos, uma sensação até gostosa... mas vou tirar esta pinta, vou marcar uma visita ao dermatologista pra acabar logo com essas pintas salientes. Até que são um charme, só que um charme dispensável.
Pois é, estou sozinha no escritório a esta hora e começo a contar. Já são cinco horas da tarde, hoje devo sair mais cedo. Tanta coisa ainda pra ser feita na rua antes de ir para casa... Duas coisas para fazer logo que sair daqui. Um assunto para tratar, um documento para pegar, uma peça de roupa para comprar, dez peças de roupa para lavar, um quarto inteiro para arrumar... O ser humano adora números. Números... Duas salas, duas portas, dois banheiros, sete mesas, sete computadores, treze cadeiras, três armários que se deslocam, dois armários embutidos, uma prateleira de seis módulos, nove paredes brancas, dois aparelhos de ar condicionado, seis luminárias, dois galões de água mineral, um bebedouro refrigerado, uma cafeteira, uma geladeira compacta, muitos cartazes e banners de seguros de vida da Unimed, inúmeros livros e propostas de seguros de sáude da Amil, da Dix, da Sul América, da Integral Saúde, vários programas instalados nos computadores para vendas de seguros de automóveis, da Porto Seguro, da Azul, da Itaú, Vera Cruz, Mafre...
Marcas em todos os produtos, Consul, Electrolux ... todos com selo de qualidade, podendo ser duvidosa ou não, pagando-se pelo serviço ou pelo prazo de validade... Ah, e pela luz...
Lá fora ainda está claro, o sol já já vai se por. Mais tarde pretendo terminar de ler um livro, comprei de curiosa, porque fala de como mudar o destino, depois vou virar páginas de uma revista de Ciência, entender sobre o futuro dos animais de estimação, dia seguinte tudo de novo e desta vez será um novo dia mesmo, porque aqui no escritório só volto um dia depois de amanhã. Ih, faltam quinze para as seis, está na minha hora, mas nem vou correr muito. Eu pego o contrafluxo, com as horas e o número de carros no trânsito não tenho que me preocupar.
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